O que é ser jornalista? Essa é a pergunta que Eugênio Bucci, professor da Escola de Comunicação da USP, desenvolve em seu texto publicado no sítio do Observatório da Imprensa. A discussão de Bucci perpassa a formação múltipla do jornalista e, os "problemas" que isso ocasiona na prática profissional. 
Temos um problema epistemológico real e, segundo Bucci, a situação é ainda pior:
Agora, olhe bem à sua volta: o diploma caiu, a Lei de Imprensa deixou a vida para entrar na pré-história e a regulamentação, bem, a regulamentação não é nada nem ninguém. Ela não existe mais. Isso significa que, se alguém for perguntar à Lei o que é um jornalista, não encontrará resposta alguma. Se os olhos da sociedade se voltarem à Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), encontrará o mesmo vazio. A Fenaj não define satisfatoriamente o que é um jornalista. Não definia antes – e, agora, muito menos.
Por que a angústia dessa fala? Pela inerente dificuldade de dizer quem é o jornalista, tendo suas funções e, obviamente, sua ética bem definida. Não seria o nosso Código de Ética um instrumento de definição de identidade? Para Bucci o problema ainda persite, pois:
O Código de Ética da Fenaj afirma que o jornalista é tanto o assessor de imprensa como o jornalista propriamente dito. Trata-se de uma ambivalência insustentável. Jornalistas são pagos para perguntar o que a sociedade tem o direito de saber; assessores são pagos para responder aquilo que seus clientes ou empregadores gostariam que a sociedade tomasse por verdade. Não que assessores desempenhem funções estruturalmente indignas ou ilegítimas, longe disso: eles desempenham um papel indispensável na comunicação social; apenas desempenham um papel que não se confunde, nem pode pretender se confundir, com o papel da imprensa. Por isso, tenho sustentado que o Código de Ética da nossa categoria repousa sobre um conflito de interesses.
Está aí um problema, que tenho que concordar com o autor: temos o mesmo indivíduo exercendo papéis contraditórios. Conheci uma colega que era jornalista em um expediente e assessora de comunicação  em  órgão público em outro. Indaguei sobre isso e, percebi que a angústia é real: o conflito era generalizado quando ela tinha de exercer o papel de jornalista 'perguntando a si mesma' enquanto assessora. Essa é uma contradição insuportável e, que não deveria ocorrer.

Pela necessidade de sobrevivência - todos precisamos trabalhar - somos submetidos a uma situação limítrofe. Explico melhor: qual a linha que demarca a ação do jornalista do assessor de comunicação de uma entidade/instituição?  Nesse caso, ela é tão tênue e, por vezes não existe na plenitude, deixando a decisão ética a cargo do colega e do momento.

É como pontua Bucci no artigo sobre essa "ambivalência":
O que define o jornalista, nós sabemos, é a independência que ele guarda em relação ao poder do Estado e ao poder econômico. Agora, se o assessor de imprensa pode, segundo o nosso Código de Ética, ser entendido como jornalista, o requisito da independência cai por terra. Assessores não precisam ter compromisso com a independência editorial.
[...]
Pergunte-se: [...] Como um assessor de imprensa, encarregado por dever de ofício a prestigiar apenas um dos lados de um acontecimento, pode ser obrigado a observar a "precisa apuração dos acontecimentos"? Ele ouvirá todos os lados? Se não, por que, aqui também, não lhe foi outorgada a dispensa de cumprir os deveres do jornalista? Será que os redatores do código se distraíram?
[...]
Portanto, é indiscutível, o código confere uma autorização tácita para que o profissional acumule duas funções, a de repórter num veículo jornalístico e a de assessor de alguma repartição. Será que esse acúmulo de funções é desejável para a ética de imprensa? Dez entre dez bons jornalistas responderão que não. Não obstante, só o que o código não autoriza é que esse profissional faça reportagem para esse veículo jornalístico sobre a entidade para a qual trabalhe como assessor. Pior ainda: segundo o mesmo código, o profissional agirá eticamente se realizar, por exemplo, uma reportagem sobre a entidade rival àquela que o emprega como assessor. Desse modo, o assessor de imprensa de um time de futebol poderá escrever uma matéria sobre o time adversário para um veículo em que trabalhe, digamos, como editor. E não incorrerá, segundo o mesmo código, em nenhuma falta ética. Só o que ele não pode é escrever sobre o lugar em que trabalha como assessor. Novamente, a contradição é chocante. 
É, o problema está posto e é grave. Qual a identidade, ou melhor, as possíveis identidades do jornalista? Sua formação deveria dar conta dessa(s) demanda(s)? Se sim, qual o estatuto de cientificidade de cada uma delas? Já vimos que um único não tem funcionado tão bem. Resta-nos pensar...

0 Responses so far.

Postar um comentário