Algum tempo atrás assisti a um debate sobre a questão da identidade latino-americana. A proposta da atividade era preparar o professor da escola pública brasileira para desenvolver o conceito do que é ser “latino-americano”.

E essa é uma questão por demais complicada. Apesar da convenção de que existe “uma América Latina”, com características próprias e culturas “próximas”, essa não passa de uma convenção, uma percepção. O que de fato temos são múltiplas e, às vezes, conflitantes culturas e políticas na América Latina. Tudo bem que é importante termos um fortalecimento das relações com outros países, mas forçar a criação de uma “cultura de bloco” é algo que não surge da noite para o dia. Daí o esforço de órgãos governamentais para que isso seja uma construção das gerações futuras, ensinado na escola. Um verdadeiro processo de aculturação (para lembrar das aulas de sociologia!). 

Mario Vargas Llosa, escritor peruano erradicado na Espanha, em entrevista a revista TAM nas Nuvens, edição nº 34 de outubro/2010, revelou sua visão sobre essa complexa questão. Quando indagado sobre a importância de reelaborar um país e uma cultura em outro país, Vargas Llosa afirmou algo que nos dá algumas pista para pensar
Para mim, isso sempre foi fundamental. Porque eu vivi mais tempo fora do Peru do que no Peru. Isso me deu uma visão mais objetiva. Conhecemos melhor nosso país quando viajamos ou saímos dele. Conseguimos, então, enxergar e julgar melhor as distorções que, muitas vezes, o patriotismo produz. Posso dizer que descobri a América Latina na Europa. Eu não me sentia latino-americano enquanto vivia no Peru. Aqui descobri que era um latino-americano, que participava de uma comunidade, que tinha uma série de denominadores comuns, tradições, problemas, uma missão cultural. Ao mesmo tempo, a experiência de viajar foi imprescindível. Viajar me salvou de uma certa visão estreita, nacionalista e provinciana.
Essa visão de Vargas Llosa reforça o que parece ainda ser distante do discurso brasileiro: noção de uma comunidade, com denominadores comuns, tradições, problemas e uma missão cultural. Uma rápida olhada na história brasileira, mostrará que nos alinhamos no século XIX com uma visão europeizante e, em meados do século XX, com uma visão norte-americana de mundo. Nossos livros de história reforçam esses valores e, a América Latina passa muito, muito longe de nossas cabeças. Quando lembramos, é para reforçar a instabilidade econômica e política, como o recente caso do Equador ou mesmo os devaneios de outros presidentes da região. 

Olhando para os processos formativos em jornalismo, esses valores são reforçados. Parece não existir uma “América Latina” que produz e faz comunicação, que ensina jornalismo e que vive a notícia. Nossos olhares são direcionados para a Europa e a América do Norte. Raros são os cursos que destacam o jornalismo na América Latina e, salvo raras e louváveis iniciativas, lemos algo de colegas da região. Essa é uma questão pedagógica importante para a revisão dos projetos pedagógicos de curso, que pouco ou nada apontam para uma possível aproximação com a temática. 

Outra questão é se queremos isso. Como brasileiros, entendemos a dificuldade que é inerente a um país continental, com múltiplas culturas. Entendemos que a unidade não quer dizer homogeneidade. Aceitamos certo conceito de “brasilidade”. Mas, será que estamos preparados para investir em um conceito de latino-americanidade?


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