“O mundo quer ser enganado, portanto, que o seja”. Essa é uma máxima existente em muitos espaços, principalmente na academia. E aí precisamos ampliar nossa visão sobre a idéia de engano. Ele está presente na ficção, com seus mitos, suas narrativas criadas e a própria poesia, bem como nos ritos, nas igrejas e nos espaços utilizados pela religião. O “engano” em si, cumpre um papel, que parece naturalizar o estado de angústia do indivíduo, de compensá-lo por sua(s) dificuldade(s) de compreender o espaço que ocupa, bem ao estilo do que Sören Kierkegaard discutiu em “O Desepespero Humano” (1849).

Para Kierkegaard,
a consciência, a consciência interior, é o fator decisivo. Decisivo sempre que se trata do eu. A consciência dá a sua medida. Quanto mais consciência houver, tanto mais eu haverá. Pois que, quanto mais ela cresce, mais cresce a vontade, e haverá tanto mais eu quanto maior for a vontade. Num homem sem vontade, o eu é inexistente. Todavia, quanto maior for a vontade, maior será nele a consciência de si mesmo (Kierkegaard, Ed.Martin Claret, 2002, p.33).
Se o que Kierkegaard falou for considerado para esse século XXI, padecemos gravemente de uma “consciência de si mesmo” e de uma “vontade”. Essa “desumanização” promovida pelo “engano” dita normas e compensa o estado de inércia propositiva que vivenciamos. 

Os espaços acadêmico-formativos, mediado pela comunicação e pelas tecnologias, deveriam desempenhar esse papel. Elas foram "criadas" (ou se criaram!?) com essa expectativa. Porém, expectativa não é certeza. Expectativa é potência, não ato, como reforçaria Aristóteles. A academia, qualquer que a seja – pública ou privada, deveria zelar, em seus processos organizacionais pela criação da “consciência”, demandando a “vontade” potencial de cada indivíduo. 

Infelizmente, essa ausência desumanizante de um “eu” acadêmico, tem gerado engano - volto a dizer, cumprindo um papel, que parece naturalizar o estado de angústia do indivíduo, de compensá-lo por sua(s) dificuldade(s) de compreender o espaço que ocupa. 

E para aonde iremos? Talvez acabemos, os que ainda possuem alguma “consciência de si mesmo”, assim como no romance Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, isolados em pequenos grupos (que podem ser nas próprias universidades!), vivendo de uma memória a muito abandonada e, “ensinando” para uns poucos, bem poucos, assim como Bradbury:
Quero lhe apresentar Jonathan Swift, o autor desse malicioso livro político, As viagens de Gulliver. Esse outro companheiro é Charles Darwin, aqui está Schopenhauer, aquele, Einstein, e este a meu lado é Mr Albert Schweitzer – um filósofo realmente muito simpático. (...) A coisa mais importante que tivemos de meter na cabeça é que nós não éramos importantes, que não devemos ser pedantes: nós não nos sentíamos superiores a ninguém mais neste mundo. Somos nada mais do que as capas empoeiradas dos livros, sem qualquer valor intrínseco. Alguns de nós vivem em cidades pequenas: o capítulo I do Walden, de Thoreau, mora em Green River; o capítulo II, em Millow Farm, no Maine. Há um povoado em Maryland com somente vinte e sete habitantes; nenhuma bomba cairá sobre essa localidade que abriga os ensaios completos de um homem chamado Bertrand Russell. Quase que se pode virar as páginas desse povoado, habitante por habitante (Bradbury, p. 151-3, citado por Gustavo Bernardo, em Pedagogia Fahrenheit).

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